O poder do vento
País da América Latina e do Caribe com maior capacidade de produção de energia eólica, o Brasil ganha novo reforço com tecnologia 100% nacional
Por Anderson Sousa
Inovação não está ligada apenas às invenções tecnológicas super sofisticadas, mas também às ideias menos complexas que otimizam um processo ou o funcionamento de um produto. É isso que a CBT Turbinas Eólicas, uma startup paulista, está apresentando ao mercado há cinco anos: um aerogerador mais moderno e dinâmico do que os habituais, e com tecnologia 100% nacional. O sucesso do negócio evidencia uma oportunidade para pequenas e médias empresas em um segmento bastante promissor. Em países como o Brasil, que possui vasta malha hidrográfica, a energia eólica é considerada uma alternativa interessante porque não consome água, um bem cada vez mais controlado.
Mais do que acreditar em um sonho, saber planejar os passos para torná-lo real é o que faz um empreendedor se destacar. Foi essa a lição que o matemático paulistano Walter Battistel, fundador da CBT, aprendeu em sua jornada no mundo dos negócios. A inovação apresentada por ele mostra que há espaço para que outros brasileiros se lancem em um segmento que tem potencial para crescer, já que energia eólica provém de fonte renovável, o que ajuda a reduzir a emissão de gases do efeito estufa e tem sido usada mundo afora para substituir combustíveis fósseis.
A CBT nasceu do desejo de Battistel de criar um negócio que não gerasse apenas lucro, mas que tivesse impacto social. Após avaliar as oportunidades do mercado e estudar a viabilidade econômica, encontrou o que procurava. A chance de investimento surgiu a partir de uma resolução normativa da ANEEL que criou, em 2012, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica, dando ao consumidor a opção de instalar pequenos geradores de energia como painéis solares e microturbinas eólicas, por exemplo, e trocar com a distribuidora local o que conseguir produzir – reduzindo o valor da conta de energia elétrica.
PIONEIRISMO
Hoje, a empresa se orgulha de ser a primeira fabricante de aerogeradores de médio porte do Brasil, com turbinas de 50 kW até 300 kW e com técnica e inteligência totalmente nacional. Apesar de essa não ser uma fonte completamente nova no país, pois em algumas regiões grandes companhias já produzem em larga escala energia eólica, o grande diferencial da CBT está na criação de um novo modelo de aerogerador que atinge o mesmo resultado em potência – só que com uma demanda menor de vento – e um software de gestão inteligente que, em tempo real, é capaz de posicionar as hélices do equipamento para um melhor rendimento, conforme a velocidade do ar.
Com um design que conta com três pás diferenciadas por sua aerodinâmica, esse cata- -vento gigante precisa receber ar a uma velocidade de cerca de 30 km/h para gerar até 100 kW de energia. Outros equipamentos precisam de rajadas de 45 km/h para conseguir o mesmo efeito. Um dos diferencias para essa funcionalidade está na confecção do produto. As hélices são feitas de fibra de carbono, material que mostrou ser tão resistente quanto o aço, mas financeiramente mais viável. A inovação foi tão bem aceita que o equipamento figura na lista de itens financiados pelo BNDES.
Mas, para chegar até aqui, Battistel teve que transpor alguns obstáculos. O primeiro foi encontrar profissionais e empresas parceiras com capacitação técnica e domínio das tecnologias necessárias. Outro ponto delicado, enfrentado pela maior parte dos empreendedores brasileiros, foi a questão financeira. A falta de recursos próprios e a dificuldade de tomar emprestado comprometeu boa parte do planejamento inicial. “Hoje, não começaria como comecei, sem o dinheiro certo. O valor que tinha planejado para todo o projeto na época acabou logo na primeira fase”, lembra o matemático. Quando estava prestes a paralisar o projeto, Battistel obteve apoio da Desenvolve SP, por meio de uma das linhas de crédito voltadas à inovação e seguiu adiante.
O primeiro aerogerador fabricado inteiramente no Brasil foi batizado de TE100 (T de turbina, E de eólica, e 100 de 100 kW) e tem um protótipo instalado em um kartódromo na cidade de Agudos, interior paulista, desde o ano passado. Com 24 metros de altura, o equipamento é capaz de gerar energia para até 500 casas. Por se tratar de um protótipo, por enquanto a energia gerada abastece apenas o próprio kartódromo, um dos apoiadores da iniciativa.
OBSTÁCULOS
Battistel sente que, apesar da boa receptividade do mercado e do impacto social, o projeto ainda precisa vencer alguns obstáculos, principalmente por se tratar de uma empresa iniciante. Para ele, uma das mudanças que certamente aumentaria a adesão de novos consumidores e traria benefícios para o setor seria a adoção da troca do excedente de energia produzida por dinheiro, em vez de crédito na conta de luz, como já acontece em alguns países da Europa.
Mesmo com todos os percalços, Battistel não desanima, mantém-se firme e espera que, em breve, a CBT se torne a maior produtora latino-americana de turbinas eólicas e uma grande exportadora de produtos com alto índice de tecnologia embarcada. “Já pensei em desistir várias vezes, mas meu perfil e minha convicção não permitem. O que me motiva a continuar é minha família e meu sonho”, finaliza.
POTENCIAL EÓLICO
Uma das provas do potencial eólico veio da maior produtora de energia elétrica do Estado de São Paulo, a Cesp, que em outubro do ano passado colocou em operação dois aerogeradores como parte de um estudo de complementaridade energética. As torres ficam na área da usina Porto Primavera, no município de Rosana, e cada uma tem capacidade para gerar 100 quilowatts (kW), o que totalizaria 620 megawatts-hora (Mwh) em um ano. Os investimentos foram de R$ 8,3 milhões.
De acordo com a Secretaria de Energia e Mineração, São Paulo tem possibilidade de gerar até 13 mil GWh, tendo um fator de capacidade médio de 31,3% – ou seja, em mais de 100 dias no ano a produção é significativa. Os valores foram calculados a uma altura de 100 metros, com vento em torno de 23,4 km/h, em uma área de 1.134 Km². Projeções indicam que se forem consideradas todas as áreas com velocidades acima desse número, o potencial de geração subiria para cerca de 72 mil GWh, com fator de capacidade médio de 26,6%. Isso daria conta de atender em torno de 25 milhões de pessoas ou 55% do estado.