Executiva? Não, empreendedora

19/06/2017

Joice Rodrigues

A luta contra o preconceito de gênero é global. Entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas é o 5.º da lista. Segundo o IBGE, o Brasil tem 105 milhões de mulheres, isto é, mais da metade (51,6%) da população nacional. Entre a população economicamente ativa, a participação feminina é superior a 46%, e as mulheres já são responsáveis por chefiar quase 40% das famílias brasileiras, índice que dobrou em apenas duas décadas. Não há dúvida quanto à representatividade feminina na economia do País, certo? Errado.

Recente pesquisa divulgada pelo Instituto Locomotiva mostra que, apesar da participação feminina cada vez maior na sociedade, a desigualdade de gêneros é grande no Brasil: para mesmos cargos e funções, os homens ganham em média 69% a mais do que as mulheres. Entre as mulheres negras, a diferença pode saltar para três dígitos. “O fato é que se o salário feminino se equiparasse ao masculino teríamos R$ 461 bilhões a mais circulando na economia brasileira, e o mercado interno estaria muito mais aquecido”, diz Renato Meirelles, presidente do instituto.

Atualmente, apenas 88 empresas nacionais ou que atuam no País assinaram o termo de compromisso para implementar as políticas e ações de igualdade de gênero propostas pela ONU. “Refletir e agir é o melhor caminho para uma sociedade mais igual, mas este deve ser também um compromisso das pequenas e médias empresas, e não apenas das grandes corporações”, diz Wagner Cerqueira, cofundador da Rede de Profissionais Negros de São Paulo, que conecta executivos negros ao mercado de trabalho.

Diante da dificuldade real de ascender profissionalmente em uma carreira tradicional, há um crescimento progressivo do número de mulheres que estão deixando o mundo corporativo e apostando na vontade de empreender. “São mulheres que desejam ser donas do próprio negócio e ter uma jornada mais flexível, já que maioria das responsabilidades domésticas ainda recai sobre elas”, diz Meirelles, do Instituto Locomotiva.

Prova desse movimento, a Rede Mulher Empreendedora (RME) tem ajudado a transformar a motivação dessas mulheres em atitude. Criada há sete anos pela empreendedora Ana Fontes, a RME é uma plataforma digital que oferece conteúdo, eventos presenciais e mentoria. “Já somos mais de 45 mil mulheres que trocam informações diariamente apenas sobre o universo do empreendedorismo”, diz.

Com foco no compartilhamento de experiências, a Rede realiza eventos todos os meses, cerca 40 por ano. “O objetivo é fazer com que essas mulheres se reúnam, ajudem umas às outras, façam networking e consigam desenvolver seus negócios”, explica Ana, que depois de 20 anos de vida executiva buscou o empreendedorismo para conciliar trabalho e maternidade.

Entre os principais negócios que surgem com o apoio da RME, cerca de 60% são voltados ao setor de serviços, e quase metade deles é iniciada apenas com capital intelectual. “São mulheres que utilizam sua expertise adquirida durante anos para abrir empresas que começam pequenas, geralmente em home office, mas ganham corpo e mercado com o passar do tempo”, diz Ana.

Fundadora da StratLab, agência especializada em comunicação digital, a publicitária Fernanda Nascimento, de 44 anos, conta que tomar a decisão de empreender não foi fácil. “Construí uma carreira corporativa muito sólida, mas, depois de oito anos ocupando cargos estratégicos em uma grande multinacional, fui demitida assim que voltei de minha segunda licença-maternidade, em 2013. A verdade é que mercado não lhe espera se você vira mãe. Não está pronto”, diz Fernanda

Colega de profissão, a demissão também motivou Fany Camargo, 38 anos, a iniciar o próprio negócio. “Quando você tem quase 40 anos e é dispensada de um cargo executivo, dificilmente o mercado lhe absorve de maneira compatível. Entre os homens a gente vê que não é bem assim”, diz. Sem revelar do que se trata a empreitada por questões estratégicas, Fany adianta apenas que vai apostar no ramo da alimentação. “As mulheres geralmente optam por empreender fazendo aquilo que lhe é familiar, mas também estão surgindo negócios para atender àquilo que realmente nos falta para darmos conta da nossa dupla ou até tripla jornada. É o caso dos espaços de coworking para mães”, analisa.

Segundo estudo do Sebrae, o Brasil tem mais de 7 milhões de mulheres empreendedoras, o que representa 31% do total de 23,5 milhões de empreendedores que empregam no País. Além da RME, plataformas como a Escola de Você e a Mulheres Ágeis seguem com o mesmo propósito, todas fundadas por jornalistas que entendem do assunto, como Ana Paula Padrão, Natália Leite, Renata Leal e Suzane Frutuoso. Tanto a StratLab como a empresa de Fany nasceram da troca de experiências e conhecimento compartilhado, e, como elas, a cada dia centenas de outras mulheres estão dando um basta na desigualdade e apostando em seus próprios negócios.

Fonte: Revista Desenvolve SP – edição 5, p.12