Consciência que dá lucro

19/06/2017

Mercado para atender à demanda de pessoas que não usam produtos de origem animal cresce com oportunidade de negócios

Marisol Machado, de Londres.

Mas nem peixe? A pergunta, que virou até meme entre as pessoas que não consomem produtos de origem animal, já é velha, mas tem sido feita com maior frequência nos últimos anos. Muito mais um estilo de vida do que só alimentação, o conceito vegan, ou vegano, está bem longe de ser uma moda passageira e está se tornando um mercado competitivo e com crescimento acelerado.

Acredita-se que o conceito vegano tenha nascido na Inglaterra em meados da década de 1940. No Brasil, o movimento disparou mesmo nos últimos 15 anos. Segundo levantamento do Ibope, em 2012 cerca de 16 milhões de brasileiros, ou 8% da população, se declararam vegetarianos, adeptos de uma dieta à base de vegetais, sem carne. Desses, 5 milhões já se consideravam veganos, ou seja, aqueles que não consomem nenhum subproduto animal (carne, leite, ovos, mel, couro etc.) nem compram de empresas que testem seus produtos em animais (produtos de limpeza, de beleza, de higiene pessoal, vestuário etc.).

Pelo tamanho desse público, não é surpresa que o mercado vegano venha se tornando interessante, crescendo, em média, 40% ao ano, segundo empresários do setor. As oportunidades de negócio vão muito além do tradicional universo da alimentação. O mercado vegano abrange todos os setores da economia, desde roupas e produtos de beleza até joias e artigos de limpeza.

Só no setor de alimentação, já existem cerca de 230 restaurantes vegetarianos e veganos no Brasil, além de um boom de lançamentos de pratos e lanches veganos em restaurantes e lanchonetes não vegetarianas. O crescimento do mercado brasileiro reflete tendências mundiais. No Reino Unido, por exemplo, de acordo com a International Supermarket News, as vendas de queijo vegano nos supermercados da rede Sainsbury cresceram 300% no último trimestre. A rede também está reorganizando suas lojas para incentivar os clientes a comer mais legumes, colocando alternativas veggies perto do setor de carnes, entre outras iniciativas.

Para Karyna Muniz, consultora de negócios do Sebrae-SP, são as micro e pequenas empresas (MPEs) que mais lucrarão com as oportunidades de crescimento do mercado vegano. “AS MPEs que não trabalhavam com produtos vegetarianos ou veganos, com o advento das dietas de restrição alimentar, do surgimento de novos consumidores veganos/vegetarianos e até mesmo de um consumidor que busca novas experiências, passaram a ofertar um cardápio mais variado e com opções de pratos que atendem às necessidades desse público”, diz Karyna.

Empreendedorismo de engajamento

A Mr. Veggy, empresa de Santana do Parnaíba, na Região Metropolitana de São Paulo, nasceu em 2001, quando pouco se falava sobre veganismo no Brasil. “Tudo começou quando me tornei vegana e não encontrava opções que atendessem às minhas necessidades. Foi quando meu pai, engenheiro de alimentos, sugeriu à minha mãe que produzisse alimentos à base de soja. Assim, em pouco tempo, começamos a fechar parcerias com lojas e restaurantes locais, o que nos inspirou a abrir a fábrica, em 2004”, conta Mariana Falcão, presidente da empresa.

Com cerca de 10 mil kg de alimentos veganos certificados produzidos por mês, como salgados integrais, hambúrgueres, quibes e coxinhas, a Mr. Veggy fabrica grande parte de seus produtos de forma artesanal – ou seja, com ingredientes naturais e sem uso de aditivos, como conservantes e glutamato monossódico.

O modelo de negócio da Mr. Veggy parece estar no caminho certo. Desde 2008, quando Mariana assumiu a presidência, o faturamento da empresa tem crescido cerca de 30% ao ano, e, mesmo na crise, a previsão para 2017 segue igual. “Se olhar para economia de países desenvolvidos, este já é um mercado bem firme. No Brasil, embora ainda seja algo novo, é uma tendência. O brasileiro está mais aberto a novos sabores, não apenas pela filosofia de amor aos animais, mas também porque estão cada vez mais conscientes de que uma dieta com muita carne faz mal”, analisa.

A palavra-chave, segundo a consultora do Sebrae-SP, é conhecimento. “Quem quiser investir nesse setor precisa buscar conhecimento e capacitação, estudar bem o universo do veganismo e vegetarianismo, pois se trata de um público que sabe bem o que come e busca rastreabilidade dos produtos que consome”, diz Karyna.

Em um país como o Brasil, onde se mata um boi, um porco e 189 frangos a cada segundo, segundo dados do IBGE, e o consumo de carne está ligado culturalmente ao status e ao aumento do poder de consumo das famílias, o crescimento acelerado do mercado vegano é surpreendente, e explicado, em parte, por um fenômeno recente, a economia do engajamento. Nessa nova relação, o consumidor deixa de ser o sujeito passivo e passa a ditar as regras. Sua filosofia de vida define o que, onde e de quem comprar.

Com o mercado em plena expansão no País, os veganos estão se tornando o nicho do nicho, o que possibilita criar diversas oportunidades de negócios e diferentes tipos de produtos e serviços. Em tempos de crise, os empreendedores veganos crescem, despontando como um novo posicionamento no mercado, com diferencial competitivo, criatividade, engajamento e muita conscientização. Karyna finaliza: “Quem permanece de olhos fechados está perdendo uma grande revolução econômica”.

Tendência Mundial

A filosofia que estimula a preservação dos animais cresce a cada dia pelos quatro cantos do planeta e hoje há cerca de 193 milhões de veganos pelo mundo. O portal “Mercy for Animals” ranqueou os países que mais ganham adeptos e praticantes do veganismo atualmente:

Reino Unido: 1 em cada 8 adultos britânicos segue uma dieta vegetariana ou vegana, enquanto 12% da população total decidiu abandonar a carne, esse índice sobe para 20% para pessoas entre 16 e 24 anos de idade.

Suécia: Quase 10% da população do país se identifica como vegetariano ou vegano, com jovens liderando o caminho.

Israel: Um artigo publicado pelo site Space News estima que havia em 2016 quase 300 mil veganos no país. Isso torna Israel a capital vegana do mundo, com mais pessoas per capita evitando todos os produtos animais em sua dieta do que qualquer outra nação.

Índia: Em 2016, Palitana foi declarada a primeira cidade vegetariana do mundo.

Alemanha: Há mais de 7 milhões de alemães vegetarianos. O país está experimentando uma crescente demanda por produtos de origem vegetal. Até a Oktoberfest, festival de cerveja anual com mais de 200 anos, está oferecendo versões veganas de pratos tradicionais.

Fonte: Revista Desenvolve SP – edição 5, p.21