A revolução nano

01/10/2018

Capaz de manipular, sintetizar e modificar matérias, a nanotecnologia ganha espaço no mercado e promete transformar o mundo dos negócios

Taluama Cabral

Imagine a cena: cientistas são transformados em miniaturas do tamanho de uma molécula de glicose e, em uma nave, passeiam pela corrente sanguínea de um paciente com a missão de drenar um coágulo no cérebro. A ideia de reduzir pessoas, mostrada no filme Viagem Fantástica, um clássico de 1966, segue restrita à ficção. Mas, graças à nanotecnologia, as chamadas pílulas inteligentes, que embutem minúsculos sensores, já são capazes de percorrer o corpo humano para diagnosticar e tratar doenças de maneira menos invaCapaz de manipular, sintetizar e modificar matérias, a nanotecnologia ganha espaço no mercado e promete transformar o mundo dos negócios siva. Embora os avanços mais comemorados sejam na medicina, a nanotecnologia tem potencial para revolucionar diversos setores e chacoalhar o mundo dos negócios.

O ramo dos nanocosméticos é um dos que estão em ascensão atualmente. Partículas que incluídas na composição de um creme prometem diminuir as rugas e outras que garantiriam hidratação prolongada da pele são exemplos de insumos desenvolvidos pela multinacional brasileira Nanovetores. A empresa catarinense “reveste” substâncias para que elas tenham maior permeabilidade, duração e eficácia. Segundo o CEO Ricardo Ramos, a Nanovetores exporta para 26 países apesar de estar no mercado há menos de 10 anos. “A nanotecnologia permite potencializar propriedades físicas e químicas em concentrações extremamente reduzidas, conferindo novas características aos produtos”, explica o professor Elson Longo, diretor do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF) da Universidade Federal de São Carlos.

As possibilidades de aplicação da nanotecnologia são amplas. Sediada em São Carlos, no interior de São Paulo, a Nanox trabalha para segmentos como têxtil, construção civil e embalagens. Um dos feitos da empresa foi aumentar de sete para 15 dias o prazo de validade do leite fresco pasteurizado tipo A, com a incorporação de micropartículas à base de prata – com propriedades bactericidas, antimicrobianas e autoesterilizantes –, no plástico rígido das garrafas usadas para envasar o alimento. “Com isso, foi possível obter ganhos na logística, armazenamento, qualidade e segurança do produto”, conta Gustavo Pagotto, sócio-diretor da Nanox. Ou seja: inovação que impacta diretamente nas finanças das empresas.

REVOLUÇÃO SILENCIOSA

Se a prata em nanopartículas é um dos mais poderosos bactericidas, os nanocristais de óxido de zinco, por sua vez, permitem a fabricação de telas ou filtros solares invisíveis que bloqueiam a luz ultravioleta. Já o ouro nanométrico tem propriedades biológicas e pode atuar como anti-inflamatório. Assim é a nanotecnologia, uma ciência com jeito de magia que apresenta uma transformação silenciosa – e invisível – sem precedentes e com repercussão imensa em nossas vidas. Parece não haver limites. “A nanotecnologia pode fazer uma verdadeira revolução em vários setores”, reforça Longo. Energia, transportes, eletrônico e tecnologia da informação são apenas alguns deles.

O professor observa ainda que, sem os recursos da nano, não teríamos, por exemplo, computadores e celulares cada vez menores e mais potentes – leves, finos e com telas inquebráveis. “Placas e chips microscópicos fazem parte do nosso cotidiano”, salienta. Sempre que os microprocessadores evoluem, é preciso criar um novo processo de produção com uma escala menor. Na virada do século, um transistor média entre 130 e 250 nanômetros. Em 2014, a Intel criou um de 14 nanômetros. Um ano depois, a IBM lançou um transistor 50% menor; e em 2016 o Lawrence Berkeley National Lab, da Universidade de Berkeley, na Califórnia (EUA), apresentou um transistor de apenas um nanômetro. Isso significa que, no futuro, toda a memória de um computador poderá ser armazenada em um único chip minúsculo.

Os desafios – e as descobertas – não param. De acordo com o Projeto sobre Nanotecnologias Emergentes, da Virgínia (EUA), quatro nanoprodutos são lançados a cada semana no mundo. No Brasil, os números mais recentes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicam que havia 159 empresas dedicadas exclusivamente ao segmento nano em 2014. A expectativa é de que, nos próximos anos, a nanotecnologia – cujo conceito foi introduzido em 1959 pelo físico americano Richard Feynman – seja o grande diferencial das nações desenvolvidas.

A OCDE estima que o mercado nano movimente US$ 3 trilhões até 2020 e o saldo do setor será imenso nas próximas décadas. Especialistas calculam que todo o acervo científico atual representa menos de 1% do conhecimento que estará disponível em 2050. “A nanotecnologia não é um privilégio de países ricos”, ressalta Longo. “O Brasil tem capacidade e tecnologia suficientes para produzir pesquisas de qualidade e produtos inovadores que atendem às necessidades do mercado global. O país está amadurecendo nesta área e os benefícios são significativos”.

Mas, apesar da evolução nacional, ainda há muito o que avançar. Dados da Web of Science mostram que o Brasil está entre os 20 países que já possuem algum desenvolvimento científico no setor, porém com participação de apenas 1,4% no cenário mundial. A expansão da produção nano internamente, advertem cientistas, depende de mais integração entre a indústria e os pesquisadores. “É preciso maior articulação, estabelecer parcerias entre o setor produtivo, a academia e investidores”, frisa o professor Longo.

ESCALA REDUZIDA

A escala usada para criar, manipular e explorar materiais é a nanométrica. Para encontrarmos 1 nanômetro (nm) é preciso dividir 1 metro por 1 bilhão. Para efeitos de comparação:

  • O diâmetro de 1 fio de cabelo é cerca de 100 mil vezes maior do que 1 nm
  • 1 glóbulo vermelho do sangue tem cerca de 5 mil a 7 mil nm
  • Os vírus – os menores seres vivos – têm até 200nm de diâmetro, aproximadamente
  • 1 molécula de DNA tem em torno de 2nm de largura
  • Dez átomos de hidrogênio, um ao lado do outro, equivalem ao tamanho de 1nm

 

Fonte: Revista Desenvolve SP – edição 6, p.26