Alta tecnologia no campo

22/10/2018

O agronegócio vem se transformando e o Brasil tem potencial para se firmar como um dos mais importantes celeiros de inovação neste setor

Por Luís Veloso

Quem vive em centros urbanos, muitas vezes, imagina que o campo é necessariamente um ambiente bucólico, onde lavradores trabalham na terra e cuidam dos animais de maneira artesanal. Mas não é bem assim. Em diversos lugares do Brasil e do mundo, tecnologias de ponta estão transformando o agronegócio. Big data, internet das coisas, computação em nuvem, inteligência artificial e automação são algumas das inovações que têm aumentado a eficiência na roça e a tornado mais sustentável. E o melhor: são recursos que não estão ao alcance só dos grandes produtores, os pequenos também se veem cada vez mais conectados. É um avanço importantíssimo, já que um dos principais desafios deste século – e talvez uma das maiores oportunidades – é produzir cada vez mais com menos. Há 7,6 bilhões de habitantes no planeta atualmente. Seremos quase 10 bilhões em 2050, mas com apenas 40% das terras disponíveis para cultivo.

Não por acaso, a expectativa é de que uma das novas grandes ondas do mercado global de tecnologia seja voltada ao agronegócio – e o Brasil tem potencial para se firmar como um dos mais importantes celeiros de inovação neste setor. “O terreno é fértil”, sustenta Silvia Massruhá, chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária. Já é possível, exemplifica, que o produtor rural use aplicativos ou softwares para monitorar suas plantações remotamente via smartphone. Sensores espalhados pela propriedade e conectados à internet, capazes de gerar um grande volume de dados que precisam ser filtrados e armazenados, também são realidade. Serão tantos inputs daqui em diante que a força de trabalho humana não deve dar conta, e algoritmos cada vez mais potentes, baseados em técnicas de inteligência artificial, precisarão analisar as informações.

O mercado é tão promissor que gigantes estão de olho nas agtechs, termo cunhado nos Estados Unidos para se referir às startups voltadas ao agronegócio. Em 2013, a Monsanto comprou a americana Climate por US$ 930 milhões e, tempos depois, a trouxe para o Brasil. Poucos investidores internacionais se interessavam por agtechs antes dessa negociação. Mas de lá para cá o cenário mudou e, no final de 2016, a Climate também anunciou parcerias com as gaúchas Checkplant e AEGRO e o paulista IBRA Laboratórios. Para Sergio Barbosa, gerente executivo da incubadora de empresas EsalqTec, de Piracicaba, a agricultura 4.0 chegou para ser mais uma ferramenta de sustentabilidade do agronegócio, não só do ponto de vista ambiental, mas também socioeconômico, pois permite fazer muito mais com menos. “É possível produzir mais grãos, biomassa e proteína animal com menos terra, insumos, água e tempo”, ressalta.

SÃO PAULO NA VANGUARDA

Segundo o Goldman Sachs Global Investment Research, tecnologias ligadas à Agricultura de Precisão, que permitem a exploração mais racional dos recursos, podem aumentar a produtividade mundial em 70% até 2050 – o que representaria R$ 240 bilhões a mais no mercado de agrotecnologia. Uma dessas inovações é a Agrosmart, plataforma líder na América Latina, que promete economia de 60% de água e de 40% de energia, além do ganho de 20% em produtividade na irrigação. “Entendemos a real necessidade da plantação com sensores que coletam dados meteorológicos e de níveis de chuva em tempo real”, explica Mariana Vasconcelos, CEO da agtech, sediada em Campinas. “Recomendamos a quantidade ideal a ser irrigada em cada área de cultivo”. Tudo com aplicativos que podem ser controlados remotamente.

Já a plataforma Agronow, de São José dos Campos, analisa o potencial de cultivo e monitora plantações pelo mundo agora com base em imagens de satélites. Ela envia alertas como de colheita, quebra de produção e qualidade da safra. “A tecnologia tem evoluído a passos largos, mas muita gente ainda não se deu conta de que o modelo de negócio atual pode mudar completamente”, diz Rafael Coelho, CEO da empresa. Agrosmart e Agronow receberam aportes do Fundo Inovação Paulista (FIP), idealizado pela Desenvolve SP. “São Paulo é um dos maiores produtores de conhecimento de fronteira para agricultura tropical no mundo”, diz Francisco Jardim, fundador da SP Ventures, gestora do FIP.

Outro importante segmento das agtechs é o de controle biológico de pragas, com ácaros predadores usados como complemento aos agroquímicos. Trata-se de uma prática mais sustentável, pois reduz a utilização de agrotóxicos que podem contaminar o solo e lençóis freáticos. A VitalForce, de Barretos (SP), pôde ampliar seu negócio e se dedicar a essa tecnologia após receber financiamento da Desenvolve SP. “Além de aumentar a produção, iniciamos a fabricação da linha de produtos biológicos, um mercado do qual antes não participávamos”, conta Gustavo Boscon, diretor de marketing e vendas da empresa. “O Brasil está no caminho da transformação para a agricultura 4.0, que é um ambiente totalmente digitalizado”, salienta Jardim. “O desafio agora é melhorar a infraestrutura, investindo em conectividade, seja por Wi- -Fi, 4G ou satélite”.”.

O EXEMPLO DE PIRACICABA

Piracicaba, a 160 quilômetros da capital, respira inovação. Graças a um ecossistema composto por cerca de 80 empreendimentos de base tecnológica, em torno da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) da Universidade de São Paulo, o município vem se firmando com um celeiro de soluções para o agronegócio. Um dos exemplos é a Gênica, que atua no próspero segmento dos biodefensivos, e recebeu R$ 6 milhões da SP Ventures, o mais alto aporte já feito pelo fundo em uma agtech. A intensiva produção de conhecimento, aliada à antiga vocação local para a agricultura, levou a incubadora EsalqTec a criar o AgTech Valley – Vale do Piracicaba, numa referência ao Vale do Silício americano. Sergio Barbosa, da EsalqTec, diz que a iniciativa “não tem dono”, e que é um movimento orgânico entre academia, empresas e a comunidade científica. Bagagem eles têm. A ESALQ é a quinta melhor instituição de ensino de ciências agrárias do mundo, e a única na faixa tropical, segundo ranking divulgado em 2015 pelo jornal US News and World Report.

 

Fonte: Revista Desenvolve SP – edição 6, p.18