Compartilhar para salvar o nosso mundo

19/06/2017

Como o movimento Sharing Economy está revolucionando a economia e vai transformar a sua empresa

Joice Rodrigues

A economia compartilhada, ou colaborativa, já faz parte da nossa vida particular há anos. Nós a usamos para fugir do trânsito das cidades, para economizar em hospedagens, para saber um pouco mais sobre algum assunto e até para buscar avaliações sobre restaurantes ou hotéis. Iniciativas como Waze, Airbnb, Wikipédia e TripAdvisor facilitam as tarefas diárias, poupam dinheiro e auxiliam em decisões cotidianas. Mas e a sua realidade como empresário? Seu modelo de negócio também está inserido nessa nova economia?

Embora não seja novidade no mercado mundial, a economia compartilhada (do inglês sharing economy) enfrenta muita resistência das empresas tradicionais, que a veem como ameaça à indústria e à estabilidade econômica. A afirmação pode até ser verdadeira, mas a economia compartilhada é um caminho sem volta, é um movimento mundial de quebra de paradigmas econômicos que põe em xeque o consumo desenfreado da humanidade frente a escassez de recursos do planeta. “Ou as empresas se adaptam ou não sobreviverão”, sentencia Marcelo Nakagawa, professor de empreendedorismo do Insper.

Historicamente, a economia compartilhada surgiu na virada do século 21. O avanço das mídias digitais, das novas tecnologias de informação e o boom das redes sociais possibilitou o compartilhamento, em plataformas online e em tempo real, de um dos bens mais preciosos da humanidade: a informação. Para os especialistas, um divisor de águas na economia. “Os consumidores passaram a repensar e ‘ressignificar’ os atuais modelos de consumo. A economia do compartilhamento chega com tudo para quebrar uma lógica de negócio baseada na posse para fazer valer a lógica baseada no acesso”, diz Nakagawa.

Ou seja, o consumismo em excesso começa a ser questionado. Vale a pena comprar um carro se é possível utilizar serviços de compartilhamento mais baratos? Faz sentido adquirir bens duráveis, como uma furadeira, por exemplo, se existem meios de criar um sistema simples de troca colaborativa entre vizinhos do prédio ou do bairro? É nesse contexto, portanto, no qual as relações humanas estão sendo remodeladas, que o mundo começa a viver uma economia fundamentada na confiança. E o mais interessante nesse sistema é sua moeda de troca: a reputação.

“Com as novas tecnologias, torna-se possível checar o histórico da reputação daquela empresa ou daquela pessoa, facilitando a criação de transações comerciais de compartilhamento ou apenas colaborativas, que são coisas diferentes”, explica Nakagawa. Em outras palavras, é o grande momento das plataformas P2P (peer-to-peer), do surgimento de modelos de negócios inovadores que impactam, sem pedir licença, os consolidados mercados B2C (business-to-consumer) e até mesmo o B2B (business-to-business).

Alerta vermelho

No dia 13 de agosto de 2016, a Global Footprint Network, organização mundial voltada a questões ambientais, acendeu o alerta vermelho para o planeta Terra. Segundo seu levantamento, em apenas oito meses o Planeta consumiu em recursos naturais o que havia disponível para todo o ano. Intitulada como Overshoot Day (Dia da Sobrecarga da Terra), a data, que tem sido registrada cada vez mais cedo (veja quadro ao lado), revela que planeta está operando em déficit com o seu próprio meio ambiente.

Com grande culpa nesse processo, o “ciclo da obsolescência programada” (em que os bens de consumo se tornam rapidamente obsoletos, técnica ou psicologicamente, aos consumidores) é um dos desafios a ser enfrentado pelas empresas dispostas a pensar nas gerações futuras. “Numa lógica insustentável, produtos são fabricados para que, passado o prazo de garantia, comecem a apresentar defeitos, e, na esmagadora maioria dos casos, para o consumidor vale mais a pena descartá-lo do que consertá-lo”, diz Marcelo Pimenta, professor de inovação da pós-graduação da ESPM.

A “ditadura do novo” é outro grande problema. “A publicidade das empresas faz acreditar que é preciso ter o produto do momento, que estar na moda é estar em dia com o último lançamento, seja lá do que for. O consumo, a demanda por recursos naturais e a geração de resíduos não param de crescer”, diz Pimenta.

De que forma, então, as empresas, principalmente as mais tradicionais, podem agir antes que seja tarde? Segundo Nakagawa, do Insper, aproveitar a capacidade produtiva de terceiros ou oferecer a sua própria é uma das principais alternativas. “Poderia ser uma espécie de Uber de máquinas e equipamentos ou de capital intelectual. Se eu tenho as máquinas que você precisa, com o meu operador custa R$ 1 mil/hora, se quiser trazer o seu próprio operador, o valor é R$ 500/ hora. Aplique essa mentalidade a uma fábrica de parafusos ou a qualquer outro setor ou segmento, e estaremos no caminho certo”, analisa.

Pimenta complementa: “Utilize componentes mais duradouros, aposte no crowdsourcing, compartilhe fornecedores e canais de distribuição, venda seus produtos em plataformas de marketplace. As empresas precisam descobrir logo como se ver nesse processo, não dá para esperar o irreversível acontecer. ” Sobretudo em tempos de crise, os negócios em rede fazem ainda mais sentido. “Não são apenas as startups que podem surfar nessa onda, mas todas as empresas que conseguirem pensar novos modelos de atuação que se aproveitem de seus próprios ativos e que tendem a ser cada vez mais atrativos financeiramente porque reduzem custos produtivos e permitem ganho de escalabilidade”, diz.

Exemplos reais

O avanço da economia compartilhada afetou profundamente os atuais modelos de negócios, e as empresas que quiserem sobreviver às mudanças terão de se adaptar. No setor automotivo, principal exemplo de economia compartilhada na indústria, grandes montadoras já aderiram ao CarSharing. As soluções se dividem entre o lançamento de plataformas próprias para compartilhamento de veículos direto das fábricas e em parcerias com plataformas já existentes. Entre elas, vale conferir a Quicar (Volkswagen), MultiCity (Citroën) e a DriveNow (BMW). Infelizmente, os serviços ainda não estão disponíveis no Brasil.

Quando a ideia é inovar no setor de serviços, como no ramo de lavanderias, por exemplo, alugar um espaço físico e equipá-lo para atender um público restrito já não parece fazer muito sentido. Não para a Wairon, pelo menos. “Nosso negócio surgiu no boom da economia compartilhada com o propósito inicial de conectar pessoas que desejam o serviço de lavanderia às pessoas que buscam renda extra, lavando e passando roupas em casa, a quem chamamos carinhosamente de washers”, conta João Abussamra Neto, CEO da startup paulista.

A plataforma, que oferece preços mais atrativos do que grandes marcas do segmento tradicional, já está em sua segunda versão. “Má- quinas residenciais dificilmente lavam edredons, por exemplo. Após períodos de testes, passamos a conectar também clientes e lavanderias de médio porte”, diz Neto. Atualmente, a Wairon tem cerca de 150 washers e 30 lavanderias cadastradas em sua base de fornecedores. “Ainda em 2017, a ideia é expandir para o reparo de roupas e embalagens personalizadas em parcerias com hotéis”, diz o CEO.

“Prototipar e experimentar, esse é o segredo para quem decide reinventar sua empresa baseada na economia compartilhada. Somente assim, à medida que se ganha mais conhecimento sobre o que se quer fazer, é que se pode avançar, pois se fizer uma besteira no meio do caminho ela já estará minimamente gerenciada”, diz Nakagawa, do Insper.

Fonte: Revista Desenvolve SP – edição 5, p.38