Muito além do cartão roxo
A Nubank, operadora de cartão de crédito que virou moda entre jovens, é o expoente mais conhecido de um mercado que vem crescendo a cada dia no Brasil e no mundo: as Fintechs. Esse novo modelo de negócio alia serviços financeiros e alta tecnologia, e tem como principal característica a simplicidade nas operações, tornando os serviços mais ágeis e, em muitos casos, mais baratos. E elas não estão restritas ao mercado de crédito – já há fintechs nas áreas de seguros, gestão de pagamentos, financeira, contabilidade, câmbio, entre muitas outras.
Apesar de existirem algumas iniciativas que surgiram antes de 2015 – quando o nome se popularizou – o movimento fintech demorou a chegar ao Brasil. Estima-se que existam hoje por volta de 200 startups nacionais desse tipo, no mundo são cerca de 1,4 mil. Segundo levantamento do banco Goldman Sachs, nos próximos anos, US$ 4,7 trilhões em receitas de bancos podem ir parar nas mãos de fintechs. É um mercado grande, lucrativo, que tem a tecnologia e a inovação como seus principais ativos.
O modelo das fintechs veio para quebrar um paradigma. Como aconteceu com o e-commerce tradicional, quando a Amazon e o Mercado Livre, por exemplo, puseram o fabricante em contato direto com o cliente, ou no setor de turismo com a Decolar.com e TripAdvisor, e o mercado de transporte com o Uber e Cabify, a proposta das fintechs é interagir com o ser humano, o que não existia no mercado financeiro.
“As pessoas passaram a questionar por que tinha de ser desse jeito. Talvez não precise de uma estrutura pesada, cara e pouco transparente”, diz Marcelo Bradaschia, criador do Fintechlab, um portal na internet que reúne conteúdo de fintechs.
“É uma questão de foco. Os bancos estavam dentro de um ambiente onde os produtos ou serviços eram quase como commodities, e as resoluções que tinham eram marginais. Havia muito investimento para o ganho de eficiência interna e pouco investimento feito para realmente para criar soluções, interações e modelos de negócios focados no ser humano, no cliente”, completa Bradaschia.
No Reino Unido, um dos berços do movimento fintech, o governo atuou como um dos agentes impulsionadores com suporte operacional, de regulamentação e de investimento. No Brasil, essas startups ainda esbarram em problemas triviais, como falta de orientação, por exemplo. “Poderíamos estar muito melhor, o Brasil é muito criativo, há gente boa nova por aí. As fintechs de mais sucesso hoje são fruto de ‘cabeças brancas’, que saíram do mercado financeiro. Mas também há falta de foco, alguns times muito jovens que não sabem como atuar. Uma coisa é saber o que tem de fazer para conseguir colocar aquilo de pé, outra é ganhar escala”, afirma Oliver Cunningham, coordenador do núcleo de Fintechs da consultoria KPMG.
As fintechs estão distribuídas em diferentes setores, mas no Brasil o principal ainda é o de pagamentos. A Moip, startup de intermediação de recebimentos para pequenos negócios, é uma que promete facilitar a vida do empresário. “Antigamente o cliente fazia uma venda no cartão de crédito e levava meses para receber. Tinha contrato, ligações, visitas para colher dados da empresa. Hoje a gente faz isso em alguns minutos”, diz Daniel Fonseca, sócio fundador da Moip. “Quando começamos ainda nem existia esse conceito de Fintech. É um negócio meio novo, pois tradicionalmente os serviços financeiros sempre foram providos por bancos, empresas que tinham um viés financeiro mesmo, e não com DNA de tecnologia. ”
O segmento de gestão financeira é outro importante setor para as fintechs. Thiago Alvarez, sócio fundador da Guia Bolso, fintech de gestão financeira voltada para pessoas físicas, diz que sua missão é transformar a vida financeira dos brasileiros. “Qualquer pessoa pode melhorar sua gestão financeira de forma totalmente automática. Temos um aplicativo conectado com a conta corrente, que consegue organizar melhor os gastos, e uma plataforma de crédito, que dá opção de trocar uma dívida cara por uma mais barata”, diz Alvarez. Ele estima que a economia feita por quem utilizou o aplicativo superou os R$ 200 milhões em 2016.
Se depender do Contador Amigo, a relação das empresas com contadores não será mais a mesma. Criada em 2012, a startup ajuda pequenos empresários a fazer a contabilidade sem depender de um contador. “Um profissional, por mais competente que seja não é capaz de competir com uma ferramenta apta a consultar e interpretar milhares de documentos, efetuar cálculos e produzir relatórios em segundos”, diz Vitor Maradei, criador do Contador Amigo, que no ano passado recebeu um financiamento da Desenvolve SP para desenvolver um sistema conjugado para autogestão contábil.
A regulamentação dos meios de pagamentos em 2013 ajudou o mercado a se estabelecer e trazer mais segurança tanto para os empreendedores de fintech, quanto para seus clientes e investidores. A competição das fintechs também está fazendo os grandes bancos inovar. Eles estão mais atentos ao cliente e passaram a oferecer serviços com mais tecnologia, até mesmo compartilhando ideias, apoiando a criação de fintechs e acompanhando o que esse novo e desafiador mercado reserva para a indústria financeira.