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Passando o bastão

Ninguém dura para sempre, mas o negócio pode ter longa vida quando o gestor organiza sua sucessão

“Se não há a preparação de um sucessor, evidentemente todos brigarão para assumir o posto de comando, pois se acharão no direito de ocupá-lo.” A frase do consultor Eduardo Najjar, do Grupo Empreenda, exemplifica com exatidão o risco que uma empresa corre caso seu fundador não defina, com antecedência, quem liderará os negócios quando ele não estiver mais na ativa. Preparar o sucessor é uma obrigação para a empresa ter um futuro tranquilo. “Uma batalha judicial pelo comando da empresa é o que de pior pode acontecer”, diz o especialista.

Dos 5 milhões de empresas existentes hoje no Brasil, 98% são empreendimentos de origem familiar, apontam dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, mesmo com tamanha representatividade na economia, apenas 15% das sociedades familiares conseguem sobreviver até a terceira geração. Tudo porque as famílias têm dificuldade em definir quem vai comandar o negócio e de planejar como isso deve ser feito após a aposentadoria do principal gestor.

De acordo com Najjar, se o administrador da empresa ignora seu planejamento sucessório, ele está ignorando também todo o futuro da companhia, além da dedicação dispensada por seus herdeiros ao bem do negócio. Vale lembrar que essa despreocupação em formar sucessores é, infelizmente, mais comum do que se pensa. “Um empresário apaixonado pelo próprio negócio e pelo modelo de gestão centralizador cria uma visão paternalista e distorcida de que só ele é capaz de administrar os negócios da família. Nesses casos, o sucesso da empresa partirá junto com seu fundador”, afirma o consultor.

O medo de cair na inatividade é outro fator que contribui para aumentar o medo da hora de transferir a direção da empresa. Para muitos empresários, a simples ideia de ficar em casa num dia de semana é o bastante para enterrar o planejamento de sucessão. No entanto, sair do comando da empresa não significa aposentadoria. Muitos fundadores acabam se tornando conselheiros não só da própria empresa, mas acabam levando sua experiência para outras companhias e até mesmo abrindo outros negócios.

Quando o desejo da família é que os negócios se perpetuem, a sucessão não deve ser tratada como evento único e sem importância, mas um processo que precisa ser iniciado desde cedo e continuar com o amadurecimento natural das gerações. “Em uma família, por menor que seja, é impossível que todos se gostem. Logo, é preciso buscar a harmonia possível para que conflitos diários e interesses pessoais não prejudiquem os negócios”, diz Najjar.

Em tempos de globalização econômica, em que a concorrência fica mais acirrada e megafusões ocorrem com frequência, a sobrevivência das empresas familiares fica ainda mais ameaçada. Nesse cenário, profissionalizar os sucessores é fundamental. Vincenzo Spedicato, 66 anos, fundador do Grupo Intelli, criado em 1973, que reúne empresas fabricantes de terminais elétricos e cabos bimetálicos nas cidades de Orlândia e Campinas, sabe bem disso. “Ter direito a uma herança não significa ter um emprego. Para ocupar um cargo é preciso competência”, afirma.

O engenheiro elétrico que se tornou empresário comanda uma empresa com 1.200 funcionários e exporta para 40 países. Quando chamou os dois filhos para ajudá-lo na condução da companhia, Vicenzo exigiu muito mais do que somente os laços familiares para assumirem os cargos. “Levei uma vida para construir um patrimônio, e meu único desejo é que ele se perpetue por gerações”, diz ao explicar a preocupação.

A filha Chiara Spedicato, 27 anos, diretora administrativa e de recursos humanos do grupo, concorda. “Buscar uma profissão nem sempre foi um conselho de pai, mas uma exigência dele como presidente da empresa. A condição era imposta para sermos reconhecidos como profissionais, e nunca como filhos do dono”, afirma.

Para Vivian Félix, psicóloga organizacional, observar alguns importantes aspectos para o bom relacionamento é fundamental. “Assim como os fundadores não devem obrigar os herdeiros a trabalhar na empresa, os herdeiros também não devem ser pessoas acomodadas à espera de privilégios”, diz.

Foi dessa forma que Renzo Spedicato, 32 anos, chegou a diretor financeiro. Segundo ele, o interesse pela empresa pesou na hora de assumir o cargo. “Eu sempre gostei de estar inserido no dia a dia da empresa, pois desde crianças fomos acostumados a frequentar a fábrica, as festas de confraternização e a conversar com os funcionários”, conta.

A psicóloga observa ser importante que, antes de assumir cargos de gestão, o ideal é que os filhos aprendam a lidar com responsabilidades e cobranças. “São características fundamentais para a formação pessoal e de bons profissionais.”

Não temos um sucessor natural, e agora?

Segundo Jonh Davis, professor da Universidade de Harvard, em Massachusetts, Estados Unidos, e um dos mais respeitados especialistas mundiais em gestão de empresas familiares – já tendo participado, aliás, do plano de sucessão dos grupos brasileiros RBS, Gerdau e Pão de Açúcar, a pergunta principal a ser feita pelos membros à frente do negócio é: “Temos alguém na família preparado para assumir o comando da empresa?”

Se a reposta for “não”, o ideal é buscar no mercado a contratação de executivos qualificados que atendam aos anseios da sociedade familiar. Essa solução é considerada assertiva e adotada até mesmo por grandes corporações que se deparam com a mesma situação.

Embora muitos fundadores ainda temam essa decisão por achar que os negócios perderão os valores familiares, uma pesquisa realizada em 2013 pela PwC, empresa americana de consultoria empresarial, mostra que as sociedades familiares brasileiras já estão reconhecendo a necessidade de ter uma gestão externa em casos como esse.

Durante um processo de troca de bastão, o papel do profissional contratado será melhorar os resultados da empresa tornando-a ainda mais competitiva. A grande vantagem é que ao longo desse período a companhia ganha tempo para se profissionalizar e, com isso, preparar o sucessor ideal.

Fonte: Revista Desenvolve SP 2ª edição p.09

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