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Da xícara para o tanque

Tecnologia criada por startup britânica usa borra de café para produzir biodiesel – uma inovação que tem potencial para impactar diversos países, inclusive o Brasil

Por Thalita Pires

Um arquiteto britânico, que tinha a missão de projetar um coffee shop em Londres, se viu diante de um desafio aparentemente sem solução: como descartar a borra do café sem agredir o meio ambiente? Quando disposto em aterro, esse resíduo libera gás metano na atmosfera, um dos principais causadores do efeito estufa. Interessado em contribuir para tornar a cidade mais sustentável, Arthur Kay usou o problema como ponto de partida para criar a bio-bean, a primeira empresa do mundo a industrializar o processo de reciclagem de resíduos de café. Kay mostrou que, como são altamente calóricos, esses grânulos de biomassa são uma boa matéria-prima para a produção de biodiesel.

A ideia foi considerada inovadora pela Shell britânica que firmou parceria com a startup. “Isso nos ajudou a superar os estágios laboratoriais e de testes para, finalmente, uma demonstração em larga escala no sistema de transporte de Londres”, afirma Kay. Desde o final de 2017, o biocombustível é usado de forma experimental nos icônicos ônibus da cidade. Faz parte da categoria B20 – contém 20% de biodiesel e 80%de diesel comum. Como comparação, o diesel brasileiro tem 10% de biodiesel em sua composição. “Focamos em uma solução que pode ser utilizada agora, sem necessidade de troca ou adaptação dos veículos”, diz Kay. Como a matéria-prima é um resíduo, trata-se de um biodiesel de segunda geração. Ele não só diminui o volume de lixo, como atende à pressão de setores que alegam que culturas como de cana-de-açúcar e milho, quando direcionadas para produção de etanol, tomam o lugar de lavouras de alimentos.

Além de criar o biodiesel a partir do café, e também toras que substituem as de madeira em equipamentos para aquecimento residencial, a bio-bean organizou toda a logística para recolher e transportar os resíduos para a fábrica de reciclagem, que tem capacidade para processar 50 mil toneladas de material por ano. Mas apenas a cidade de Londres produz 200 mil toneladas de borra de café, com potencial para lançar 126 mil toneladas de CO2 na atmosfera. Se o impacto é positivo por lá, no Brasil o reaproveitamento desses resíduos pode ser ainda maior. Aqui, o consumo anual de café ultrapassa a marca de um milhão de toneladas. E a bio-bean tem planos de expansão para outros países, nas palavras de Kay, com “alto consumo de café”.

O BRASIL JÁ SABIA

O aproveitamento de resíduos de café para produzir biodiesel nunca havia sido colocado em prática em larga escala. Mas, em laboratório, foi testado por uma brasileira. Denise Moreira, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), evidenciou em sua dissertação de mestrado, apresentada em 2010, que a biomassa poderia ser uma fonte de energia. “Meu trabalho mostrou o processo de obtenção de combustível em pequena escala”, diz Denise. “O objetivo era defender o uso do material em pequenas comunidades e em aulas de química”, explica. Mas uma produção massiva animou a pesquisadora. “Tomara que essa ideia chegue logo ao Brasil”, salienta.

 

Fonte: Revista Desenvolve SP – edição 6, p.33

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